Coronavírus: como pequenos bares e cervejarias em Pilsen, na República Checa, sobreviveram aos dias do confinamento
Os Checos são os líderes Europeus do consumo e da produção de cerveja. Segundo as estatísticas dos fabricantes de cerveja da Europa, fabricam 192 litros de cerveja por pessoa, todos os anos. A produção média anual na União Europeia é de 78 litros. Como é que os campeões da cerveja lidaram com a crise do corona? Os proprietários de pequenos bares de Pilsen, o berço das mundialmente famosas cervejas Pilsner, contam como conseguiram sobrepor-se às dificuldades.

Texto, fotos e vídeos: Lucie Sýkorová

Segunda-feira, 25 de maio. A nação dos amantes de cerveja Checos comemora. Os bares e restaurantes finalmente reabriram, após mais de dois meses fechados. O encerramento foi decretado em meados de Março por causa da pandemia de coronavírus mas, ao contrário do que vaticinaram as previsões sombrias de Abril, segundo as quais a pandemia destruiria entre um décimo e um quarto das empresas da restauração, agora, parece provável que só uma minúscula parte permanecerá fechada – cerca de 2,5%.

Pelo menos, é o que garante uma pesquisa realizada pela Pilsner Urquell. A maior cervejaria Checa, proprietária da marca Pils, estudou 80% dos bares aos quais fornece cerveja, o equivalente a quase metade de todas as empresas do ramo da restauração da República Checa, e concluiu que o futuro não será tão negro como se chegou a temer. “Está claro que os bares estão numa situação difícil e muitos deles têm sérios problemas financeiros. Mas a maioria dos que inicialmente queriam desistir, decidiu resistir. Das nossas 20.000 empresas parceiras, apenas cerca de 500 acabaram por fechar de forma permanente”, diz Tomáš Mráz, diretor de vendas da Pilsner Urquell.

No entanto, ainda não se sabe bem como é que pubs e restaurantes alcançarão novamente o sucesso. Os números iniciais, referentes aos primeiros dias após a reabertura, indicam, de acordo com a Associação Checa de Cervejarias e Casas de Malte, que as vendas nas empresas de restauração situaram-se entre os 30 e os 40% dos valores normais e que a produção de cerveja em barris e tanques caiu 70% em Março e Abril. No entanto, segundo a mesma associação, notou-se um aumento de 15% na produção de garrafas e latas de cerveja.

Confinamento imediato

Quinta-feira, 12 de março, 14 horas. Subitamente, a República Checa entra em estado de emergência. Eventualmente, durará 66 dias, tornando-se o mais longo da história do país. Até esta data, mais de 125.000 pessoas foram infectadas com o Coronavírus em todo o mundo e 4.600 sucumbiram. Na República Checa, há registo de apenas 96 pessoas infectadas, não há mortes. Ainda assim, o Governo optou por aplicar medidas rigorosas desde o início. Na sexta-feira, 13 de março, todos os eventos com a participação de mais de 30 pessoas seriam proibidos, a entrada em campos desportivos, instalações de bem-estar e bibliotecas deixaria de ser permitida. Bares e restaurantes deveriam permanecer fechados entre as oito da noite e as seis da manhã. Impõem-se restrições à entrada de estrangeiros e os cidadãos Checos ficam impedidos de viajar para países de alto risco.

Ao cair da noite de sexta-feira, o Governo anuncia mais restrições, a vigorarem a partir das seis da manhã de Sábado, 14 de março. Todas as lojas permanecerão encerradas, com exceção de supermercados e de outros pontos de distribuição de alimentos, farmácias, drogarias e postos de gasolina. O encerramento estende-se a restaurantes, bares e cantinas que não tenham uma “janela de serviço” ou a opção de take-away. Apesar da implantação imediata das restrições, 14 de Março traz consigo notícias ainda menos animadoras: o número de infetados com o Coronavírus escala para 150. Proprietários de restaurantes, bares e cafés tentam recompor-se do choque de um encerramento forçado, inesperado e súbito. Alguns conseguem reagir com flexibilidade e imediatamente abrem “janelas de cerveja”, improvisando balcões com mesas colocadas em frente às entradas e convertendo-se ao “take-away” de bebidas e refeições. Os clientes, mesmo os mais regulares, hesitam bastante no começo, mas, gradualmente, começam a atrever-se a aparecer para apoiar os seus estabelecimentos favoritos. Sempre com máscaras que, a partir de 19 de março, tornam-se obrigatórias para quem pretenda sair de casa. Deixa de ser permitido andar na rua sem se cobrir boca e nariz.

Nas dez semanas que se seguem, a “janela da cerveja” será o único contato possível com os estabelecimentos mais populares, onde era habitual encontrar clientes que permaneciam no espaço durante várias horas. “Os bares são uma parte importante da cultura nacional. Até há uns meses, nunca nos passou pela cabeça que uma coisa tão comum quanto sair para uma cerveja não seria mais possível ”, diz Ladislav Vaindl, especialista em cerveja e jornalista de Pilsen.

“Fiquei a trabalhar em casa durante a quarentena e não saía muito. É claro que senti falta da cerveja e, sempre que ia às compras, trazia algumas garrafas. Visitar as “janelas de cerveja” que estavam abertas em Pilsen, foi a grande distração. Fui vê-las quatro vezes.”

Ladislav Vaindl, especialista em cerveja e jornalista

Salvem a cerveja, salvem o bar

Foram as “janelas de cerveja”, juntamente com o “take-away” de alimentos e bebidas, que acabaram por salvar a maioria dos bares e restaurantes. “Tornou-se óbvio que os bares são realmente importantes para os amantes de cerveja, porque em tempos difíceis, foram muitos os que decidiram apoiar os seus bares, consumindo a maior quantidade possível”, diz Ladislav Vaindl. Graças a uma iniciativa chamada Save the Pub, os clientes também puderam ajudar os bares e restaurantes selecionados para integrar uma aplicação lançada no início de Abril, pela Associação Checa de Cervejarias e Malthouses (Casas de Malte), a que aderiram cerca de 2.500 empresas. Esta app permitiu a compra de vouchers, para serem usados após a reabertura.

Já antes, no final de Março, tinha sido lançada uma campanha chamada Save the Beer, focada em salvar pequenas cervejarias e criada pelo diretor da cervejaria Kytín, Michal Pomahač. Funcionou de forma simples – o cliente olhava para um mapa interativo para saber que cervejarias estavam disponíveis na sua região, encomendava e optava por ir buscá-las ou pela entrega em sua casa. Mais de 320 pequenas cervejarias inscreveram-se na aplicação e os clientes gastaram cerca de 200 milhões de coroas checas (cerca de 7,4 milhões de euros). Acabaram por salvar milhões de cervejas que terminariam despejadas no canal porque o prazo de validade chegaria ao fim antes do desconfinamento e, pelo caminho, também salvaram as pequenas cervejarias que as vendiam.

Foi assim que as pequenas cervejarias acabaram a ter mais sorte do que as grandes, obrigadas a livrarem-se de centenas de milhares de hectolitros da bebida. Actualmente, andam a vertê-la no esgoto, porque não encontraram forma de a escoar no mercado, principalmente, cervejas de pressão não filtradas e não pasteurizadas. Várias dezenas de milhares de hectolitros também serão despejados pela mundialmente famosa Pilsner Urquell (marca da cerveja feita em Pilsen), que também trocou a cerveja clássica por uma nova e gratuita para os seus bares com contrato.

Reuniões online com clientes habituais

Já existem mais de 450 pequenas cervejarias na República Checa, que muitas vezes não têm medo de experimentar produtos incomuns. E, nos últimos anos, os seus produtos atingiram os píncaros da popularidade também em Pilsen, o berço do mundo da cerveja Lager Light clássica. Uma das provas é o Club of Small Breweries, que já há dez anos faz concorrência direta à gigantesca área da Pilsner Urquell. “Quando começámos, há uma década, havia 50 pequenas cervejarias na República Checa. Agora, existem cerca de dez vezes mais ”, diz o proprietário da empresa, Petr Strnad. O seu espaço inclui esplanada – o beer-garden – tem capacidade para cerca de cem pessoas e conta com oito torneiras de cerveja de pressão que vão alternando entre várias cervejas de pequenas cervejarias. Também oferece entre 60 e 100 tipos de cervejas engarrafadas, metade é de produtores estrangeiros, e conta com a presença regular de cervejas da Baviera, do outro lado da fronteira, especialmente de Zwiesel e de Regen.

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O Club of Small Breweries sobreviveu à crise do corona sem grandes perdas. “Não tivemos de nos livrar da cerveja, os nossos clientes habituais mantiveram-nos. Foi um trabalho mais exigente do que o normal: estivemos disponíveis para atender pela janela num horário alargado, e oferecer o serviço de entregas. Tivemos que ficar a conhecer os clientes ”, admite Petr Strnad. E os clientes fiéis retribuíram o esforço. “Um dos nossos regulares tinha tanto medo de que fossemos à falência, que comprou um barril de cerveja numa pequena cervejaria em Sušice e trouxe-nos de presente de comboio”, sorri o dono do clube.

Petr Strnad diz, com um sorriso, que se encontrou com clientes habituais várias vezes durante as dez semanas, pelo menos virtualmente.

Decidimos organizar várias reuniões online. Acho que foi um grande sucesso, tivemos sempre entre 60 e 80 pessoas conectadas e conversámos durante duas horas, duas horas e meia.

Petr Strnad

Proprietário, Club of Small Breweries

Entregar cerveja com a máscara típica dos Médicos da Peste

Os proprietários dos bares também concordam que foi a lealdade dos seus clientes que lhes salvou o negócio. “Devo dizer que os nossos clientes são óptimos, apoiaram-nos, ajudaram-nos e não nos deixaram cair,” elogia o proprietário do bar de cerveja Pivotečka, Milan Srvátka. “Infelizmente, estou desapontado com o Estado que, basicamente, apresentou pouco mais do que proibições”, observa. O seu bar foi salvo pelas vendas feitas pela “janela de cerveja” durante a fase de confinamento, pelo acordo com o proprietário das instalações onde fica o Pivotečka, e pela sua nova loja virtual, uma novidade que permanecerá, mesmo após a reabertura da loja física.

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Como Srvátka, muitos empresários da restauração queixam-se da falta de ajuda do Estado. O Ministério da Indústria ofereceu auxílio através de empréstimos sem juros. No entanto, a ajuda não chegou à maioria dos candidatos, interrompendo-se a inscrição de pedidos do primeiro turno apenas algumas horas após o arranque do programa. Além disso, a restauração foi considerada negócio de risco e os empresários dessa área foram rejeitados. Segundo representantes dos bancos, alguns deles poderiam obter empréstimos concedidos na próxima rodada do programa, que deverá ser lançado nos próximos dias. No entanto, os empréstimos já incluirão taxas de juros, embora bonificadas.

Por que o programa antivírus não ajuda os bares pequenos

Outro tipo de auxílio estatal na República Checa é o programa Antivírus, que permite os empreendedores solicitarem o chamado kurzarbeit, uma solução semelhante ao lay-off e que pretendeu compensar até 80% dos salários brutos pagos por empregador, se esse valor não exceder as 39.000 coroas (aproximadamente 1.400 euros). No entanto, essa assistência só pode ser solicitada para funcionários com contrato de trabalho. Em pequenos bares, pubs e cafés, a relação de trabalho é geralmente resolvida através de um acordo e não com contrato.

Contribuição única para empresas com licenças comerciais

Os empresários que negociam apenas com uma licença comercial podem receber uma contribuição única de 25.000 coroas (aproximadamente 920 euros) do Estado. Mas o negócio deve ser seu trabalho principal. Somente a 27 de Maio, a Câmara dos Deputados aprovou o apoio a parceiros de pequenas empresas de responsabilidade limitada, que têm no máximo dois parceiros. O estado não os tinha apoiado até agora. O apoio será de 500 coroas checas por dia e cobre o período de 12 de março a 8 de junho. Os candidatos podem receber um total de 44.500 coroas (aproximadamente 1.600 euros).

Promessas versus realidade

Muitos economistas criticam a abordagem do Estado na ajuda a empreendedores. “Uma história infinitamente triste, promessas versus realidade: em 28 de Maio, 11 semanas após o encerramento da economia, das famílias e das empresas, os empreendedores receberam menos de 36 bilhões de coroas, quase 40 bilhões, se juntarmos o dinheiro da União Europeia. Mais cerca de 11 bilhões em fundos de garantia. Ou seja, estamos com apenas 13% da ajuda direta prometida ”, diz a economista Helena Horská, no Twitter.

Vojtěch Vrobel como médico de pragas

Durante a crise, o proprietário do café-cervejaria-retro Francis, Vojtěch Vrobel, saiu-se com uma idéia, no mínimo, original: distribuir cerveja vestido de Médico da Peste, uma figura da Idade Média, meio dúbia, criada para assistir a população atingida pela Peste Negra. “Tenho um amigo que faz produtos de couro e confeccionou-me uma máscara temática de Médico da Peste. Alguns clientes entenderam, outros tiveram reações um tanto contraditórias. Mas nós gostámos ”, diz, sorrindo. Com este gesto (embora sem saber), acabou por se referir à conexão histórica entre Pilsen e Itália – o pub está localizado num prédio ao lado da Câmara Municipal de Pilsen, construída no final do século XVI por construtores italianos fiéis ao estilo do Renascimento do seu país. Hoje é conhecida como a mais bela Câmara renascentista da região da Boémia, onde a cidade de Pilsen está situada.

Vojtěch Vrobel também não recebeu qualquer apoio do Estado checo. Como tantos outros, o seu negócio sobreviveu graças a um acordo com o proprietário do edifício e o apoio da clientela. “Mas nunca pensámos em fechar o pub”, diz, com firmeza. “Agora estamos a enfrentar dificuldades um pouco diferentes – as pequenas cervejarias não sabiam como a situação se desenvolveria e, na semana passada, ficámos sem cerveja, não consegui encontrar um único barril perto de Pilsen. Peguei num carro e percorri as cervejarias do país inteiro e lá consegui alguma cerveja para poder servir ”, diz, sem nunca deixar de sorrir.

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